No passado remoto, os a\u00e7\u00facares necess\u00e1rios \u00e0s demandas energ\u00e9ticas do dia a dia vinham das frutas e dos carboidratos presentes nos tub\u00e9rculos e demais alimentos. Segundo os historiadores, a t\u00e9cnica de solidificar o caldo de cana teria surgido apenas no s\u00e9culo 5\u00b0, na \u00cdndia. Na Europa e no resto do mundo, cristais de a\u00e7\u00facar eram considerados iguaria rara at\u00e9 o s\u00e9culo 18. Hoje o a\u00e7\u00facar refinado \u00e9 onipresente. Est\u00e1 em nossas mesas, nos refrigerantes e em quase todos os ultraprocessados que se acotovelam nas prateleiras dos supermercados. Pagamos pre\u00e7o alto pela fartura. O consumo exagerado disseminou condi\u00e7\u00f5es cr\u00f4nicas pelo mundo inteiro: obesidade, hipertens\u00e3o arterial, diabetes, insufici\u00eancia renal, hepatite gordurosa n\u00e3o alco\u00f3lica, s\u00edndrome metab\u00f3lica, problemas neurol\u00f3gicos e outros males que afetam a sa\u00fade imp\u00f5em gastos aos cofres p\u00fablicos e encurtam a longevidade. As agruras vividas pelos europeus no decorrer da Segunda Guerra Mundial levaram os pa\u00edses a racionar certos alimentos, para evitar a subnutri\u00e7\u00e3o e manter o esfor\u00e7o de guerra. A partir de 1940, o Reino Unido adotou a pol\u00edtica de distribuir cart\u00f5es de racionamento e cupons para a compra de carne, a\u00e7\u00facar, p\u00e3o, manteiga, bacon, ovos e ch\u00e1. No caso do a\u00e7\u00facar, os limites foram r\u00edgidos: adultos 40 g\/dia, crian\u00e7as 15 g\/dia, crian\u00e7as at\u00e9 dois anos de idade, zero. Em setembro de 1953, o racionamento foi suspenso. O consumo di\u00e1rio m\u00e9dio que era de 41 g por adulto passou para 80 g e o n\u00famero de calorias ingeridas todos os dias aumentou (77% do incremento veio do a\u00e7\u00facar e dos doces). Em laborat\u00f3rio, a exposi\u00e7\u00e3o de roedores ao excesso de a\u00e7\u00facar no in\u00edcio da vida tem efeitos duradouros. Embora em humanos as evid\u00eancias sejam mais limitadas, sabemos que ganhar peso na gravidez aumenta os riscos de obesidade, diabetes e hipertens\u00e3o arterial na vida adulta dos filhos. Tadeja Gracner, da Universidade da Calif\u00f3rnia, e colaboradores publicaram na \u00faltima semana de novembro, na revista Science, um estudo em que avaliaram o impacto da restri\u00e7\u00e3o de a\u00e7\u00facar nos primeiros mil dias de vida, contados a partir da concep\u00e7\u00e3o, na incid\u00eancia de diabetes e hipertens\u00e3o arterial d\u00e9cadas mais tarde. Foram estudados aproximadamente 61 mil adultos no per\u00edodo de outubro de 1951 a mar\u00e7o de 1956. Cerca de 38 mil tinham sido concebidos e passado os primeiros mil dias durante a vig\u00eancia do racionamento, no Reino Unido. Concebidos depois da suspens\u00e3o dessa medida foram cerca de 28 mil. Ao atingir 60 anos de idade, a preval\u00eancia de diabetes entre os que viveram os mil primeiros dias enquanto o a\u00e7\u00facar estava racionado foi 35% menor e a de hipertens\u00e3o arterial 20% mais baixa. Naqueles que desenvolveram essas condi\u00e7\u00f5es, a restri\u00e7\u00e3o de a\u00e7\u00facar teve o poder de retardar por quatro anos a instala\u00e7\u00e3o de diabetes e por dois anos a de hipertens\u00e3o. A prote\u00e7\u00e3o ficou evidente j\u00e1 na vida intrauterina: 1\/3 da redu\u00e7\u00e3o do risco nos que nasceram durante o racionamento foi atribu\u00eddo ao baixo consumo durante a gesta\u00e7\u00e3o. O restante veio do consumo depois do nascimento, especialmente a partir dos seis meses de idade, quando s\u00e3o introduzidos os primeiros alimentos s\u00f3lidos. Do ponto de vista metab\u00f3lico, dietas a\u00e7ucaradas aumentam o risco de resist\u00eancia \u00e0 insulina e de intoler\u00e2ncia \u00e0 glicose, fatores ligados ao aparecimento de diabetes, especialmente em pessoas com excesso de peso ou obesidade, condi\u00e7\u00f5es tamb\u00e9m associadas ao risco de hipertens\u00e3o. Se acrescentarmos o sedentarismo da vida moderna, teremos completado o conjunto de fatores de risco que tornou as doen\u00e7as cardiovasculares e o c\u00e2ncer as duas principais causas de morte no Brasil. Muitas crian\u00e7as de hoje consomem sete ou mais colheres de ch\u00e1 de a\u00e7\u00facar por dia, que \u00e9 o limite para adultos preconizado pelas normas internacionais. O mais grave \u00e9 que na adolesc\u00eancia essa quantidade pode triplicar. Oferecer a\u00e7\u00facar ad libitum para crian\u00e7as da mais tenra idade \u00e0 puberdade, fases cr\u00edticas para o desenvolvimento de prefer\u00eancias alimentares, \u00e9 causa de toler\u00e2ncia a doses altas, compuls\u00f5es e at\u00e9 de adi\u00e7\u00e3o pelo resto da vida. Depois de tudo o que aprendemos sobre os malef\u00edcios do uso excessivo de a\u00e7\u00facar, n\u00e3o faz sentido continuarmos a abusar dele e a perverter o paladar das crian\u00e7as. Colunas e Blogs Receba no seu email uma sele\u00e7\u00e3o de colunas e blogs da Folha LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo. <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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