O Projeto de Lei 104\/2015, que pede restri\u00e7\u00e3o para o uso de celulares e demais dispositivos eletr\u00f4nicos usados por alunos no ambiente escolar, tem dividido a direita. A proposta foi aprovada pela Comiss\u00e3o de Educa\u00e7\u00e3o (CE) da C\u00e2mara dos Deputados e encaminhada \u00e0 Comiss\u00e3o de Constitui\u00e7\u00e3o e Justi\u00e7a (CCJ) no fim de outubro, com amplo apoio de deputados conservadores. No entanto, apesar do consenso cient\u00edfico sobre os malef\u00edcios das telas para crian\u00e7as e adolescentes, quem \u00e9 contr\u00e1rio ao projeto afirma que a doutrina\u00e7\u00e3o ideol\u00f3gica nas institui\u00e7\u00f5es de ensino pode aumentar. Tamb\u00e9m h\u00e1 quem argumente que o assunto n\u00e3o deveria ser imposto pelo Estado.\u00a0O projeto aprovado pela Comiss\u00e3o de Educa\u00e7\u00e3o \u00e9 baseado em estudos sobre como o uso desses equipamentos prejudica a sa\u00fade cognitiva e psicol\u00f3gica de crian\u00e7as e adolescentes, e prop\u00f5e a proibi\u00e7\u00e3o do uso na educa\u00e7\u00e3o infantil e o uso restrito para fins pedag\u00f3gicos entre os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino M\u00e9dio.\u201cSomos favor\u00e1veis \u00e0 regulamenta\u00e7\u00e3o devido \u00e0s consequ\u00eancias que o uso excessivo de equipamentos eletr\u00f4nicos traz \u00e0s crian\u00e7as e adolescentes, mas grande parte do nosso eleitorado quer saber como ficar\u00e1 a fiscaliza\u00e7\u00e3o de professores doutrinadores em sala de aula\u201d, aponta o gabinete de um parlamentar que prefere n\u00e3o ser identificado.Em postagens nas redes sociais, o advogado Miguel Nagib, que presidiu o movimento Escola Sem Partido (ESP), argumenta que hoje os estudantes filmam e denunciam excessos cometidos por educadores, j\u00e1 que muitas institui\u00e7\u00f5es de ensino n\u00e3o contam com c\u00e2meras em todas as salas, apesar de a utiliza\u00e7\u00e3o dos sistemas eletr\u00f4nicos de vigil\u00e2ncia ser permitido em escolas.Inclusive, \u201cpara proibir a grava\u00e7\u00e3o das aulas, a esquerda j\u00e1 tentou alegar direito \u00e0 privacidade, direito de imagem e direito autoral do professor\u201d, citou Nagib. Agora, \u201cinventaram uma narrativa para proibir o uso do equipamento utilizado para gravar as aulas. E a direita caiu nessa narrativa\u201d, continuou.De acordo com o advogado, a decis\u00e3o do uso do celular deveria \u201cser dos pais e da escola\u201d, citando argumentos do comentarista pol\u00edtico, engenheiro e ex-secret\u00e1rio estadual de seguran\u00e7a do Rio de Janeiro, Roberto Motta.Em sua p\u00e1gina no X, Motta publicou na \u00faltima quarta-feira (13) um coment\u00e1rio que fez na emissora Jovem Pan a respeito de n\u00e3o se opor \u00e0 proibi\u00e7\u00e3o do uso de celulares em sala de aula, mas ser contr\u00e1rio \u00e0 interven\u00e7\u00e3o do Estado no tema, principalmente nas escolas particulares. \u201cIsso \u00e9 uma intromiss\u00e3o indevida do Estado na vida privada\u201d, afirmou.Segundo ele, n\u00e3o \u00e9 necess\u00e1rio aprovar uma lei a respeito de algo \u201cque pode ser muito bem decidido pela escola ou pelos pais\u201d e que j\u00e1 \u00e9 regra em diversos col\u00e9gios do pa\u00eds. Para isso, ele cita como exemplo a institui\u00e7\u00e3o em que sua filha estuda. L\u00e1, ela \u201cguarda o celular dentro da mochila e n\u00e3o usa, mas, em uma emerg\u00eancia, pode entrar em contato comigo\u201d, explicou.86% da popula\u00e7\u00e3o apoia alguma restri\u00e7\u00e3o ao uso do celular na escolaRestri\u00e7\u00f5es ao uso do celular, como essa citada pelo comentarista pol\u00edtico, s\u00e3o apoiadas por 86% da popula\u00e7\u00e3o brasileira, segundo uma pesquisa realizada entre os dias 22 e 27 de outubro pala empresa Nexus.A an\u00e1lise da empresa da FSB Holding apontou que 54% da popula\u00e7\u00e3o \u00e9 favor\u00e1vel \u00e0 proibi\u00e7\u00e3o total dos aparelhos em sala de aula e 32% acredita que o uso do celular deveria ser permitido em atividades did\u00e1ticas e pedag\u00f3gicas, mediante autoriza\u00e7\u00e3o pr\u00e9via dos professores. Apenas 14% dos entrevistados se mostrou contr\u00e1rio \u00e0s medidas debatidas atualmente no Congresso.De acordo com a Nexus, foram ouvidas 2.010 pessoas a partir de 16 anos de idade em todos os estados do pa\u00eds, e os mais jovens \u2014 entre 16 e 24 anos \u2014 foram os que apresentaram maior apoio \u00e0 mudan\u00e7a. Ao todo, 46% dos entrevistados nesta faixa et\u00e1ria concordam com a proibi\u00e7\u00e3o total do uso dos aparelhos e 43% defendem utiliza\u00e7\u00e3o parcial dos dispositivos eletr\u00f4nicos.Especialistas afirmam que a mudan\u00e7a \u00e9 necess\u00e1riaPara Ilona Becskeh\u00e1zy, doutora em pol\u00edtica educacional pela Faculdade de Educa\u00e7\u00e3o da Universidade de S\u00e3o Paulo (USP), as restri\u00e7\u00f5es s\u00e3o urgentes e seguem tend\u00eancia de diversos governos do mundo, como Portugal, Fran\u00e7a, Espanha, Dinamarca e Finl\u00e2ndia.\u201cAs pesquisas de comportamento e neuroci\u00eancia t\u00eam evolu\u00eddo e mostrado cada vez mais o qu\u00e3o prejudiciais s\u00e3o as telas, de qualquer natureza, para o desenvolvimento cognitivo de crian\u00e7as, adolescentes e at\u00e9 adultos\u201d, aponta, ao citar que o aprendizado \u00e9 mais eficiente quando se escreve com a m\u00e3o e quando se l\u00ea um livro.\u201cO conte\u00fado ter\u00e1 um registro mais s\u00f3lido e permanente na mem\u00f3ria do que ao ser lido em uma tela ou escrito por meio de digita\u00e7\u00e3o, pois o movimento da escrita registra no c\u00e9rebro um texto, uma anota\u00e7\u00e3o\u201d, explica. \u201cEnt\u00e3o, n\u00e3o vejo o tema como quest\u00e3o pol\u00edtica de direita ou esquerda, mas um fato ligado ao processo cognitivo e \u00e0s quest\u00f5es de comportamento\u201d.\u00a0Assim como ela, o professor de Educa\u00e7\u00e3o Pedro Caldeira, da Universidade Federal do Tri\u00e2ngulo Mineiro (UFTM) tamb\u00e9m avaliou a import\u00e2ncia da decis\u00e3o para o aprendizado em sala de aula e pontuou que o projeto est\u00e1 fundamentado em evid\u00eancias s\u00f3lidas.\u201cMesmo o uso moderado de aparelhos eletr\u00f4nicos port\u00e1teis, por exemplo, de quatro horas por dia, tem fortes impactos negativos emocionais, sociais, relacionais e cognitivos\u201d, disse.Sugest\u00f5es para os argumentos contr\u00e1rios \u00e0 restri\u00e7\u00e3o de uso do celularPortanto, para Caldeira, os argumentos por representantes da direita contr\u00e1rios \u00e0s restri\u00e7\u00f5es se d\u00e3o, na verdade, pela falta de uma leitura atenta do projeto. \u201cO texto n\u00e3o visa impedir o uso da tecnologia eletr\u00f4nica port\u00e1til em sala de aula, pois est\u00e1 aberta a possibilidade para uso pedag\u00f3gico dessa tecnologia\u201d, diz, ao tratar das regras propostas para estudantes a partir dos anos finais do ensino fundamental.J\u00e1 em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 decis\u00e3o sobre o tema, ele aponta que o Estado deveria evitar intromiss\u00f5es, principalmente em unidades particulares, mas isso ainda n\u00e3o \u00e9 realidade no Brasil. \u201cAqui, o Estado interv\u00e9m em quase todos os aspectos administrativos e pedag\u00f3gicos das escolas particulares\u201d, aponta, citando como exemplos a defini\u00e7\u00e3o da Base Nacional Comum Curricular aplicada nessas escolas e o perfil de forma\u00e7\u00e3o dos professores.Al\u00e9m disso, ele informa que filmagens da atua\u00e7\u00e3o dos professores em sala de aula j\u00e1 s\u00e3o realizadas de forma sistem\u00e1tica em muitos pa\u00edses com o objetivo de coibir determinados comportamentos, e que isso tamb\u00e9m poderia ser implantado no Brasil. \u201cA sala de aula, especialmente a sala de aula de escola p\u00fablica, n\u00e3o \u00e9 um espa\u00e7o privado, pelo que me parece perfeitamente leg\u00edtimo que seja filmado\u201d, esclareceu.Projeto aprovado na Comiss\u00e3o de Educa\u00e7\u00e3o diz respeito \u00e0 educa\u00e7\u00e3o b\u00e1sicaInicialmente, o Projeto de Lei 104\/2015 do deputado Alceu Moreira (MDB-RS) proibia o uso de aparelhos eletr\u00f4nicos port\u00e1teis nas salas de aula da educa\u00e7\u00e3o b\u00e1sica e tamb\u00e9m do ensino superior. No entanto, a proposta sofreu ajustes na Comiss\u00e3o de Educa\u00e7\u00e3o desde 2023, como retirada dos estudantes universit\u00e1rios do texto, focado agora no ensino b\u00e1sico.A proposta aprovada pela CE quer permitir porte e uso de equipamentos eletr\u00f4nicos fora da sala de aula para estudantes dos anos finais do ensino fundamental e de todo ensino m\u00e9dio, e uso somente para fins pedag\u00f3gicos dentro da sala nessas turmas. J\u00e1 para crian\u00e7as da educa\u00e7\u00e3o infantil e anos iniciais do fundamental, haver\u00e1 proibi\u00e7\u00e3o total de uso.Entre os argumentos apresentados no projeto est\u00e3o constata\u00e7\u00f5es da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) de que o uso precoce e de longa dura\u00e7\u00e3o de jogos online, redes sociais ou aplicativos com filmes e v\u00eddeos podem causar problemas de socializa\u00e7\u00e3o e conex\u00e3o com outras pessoas, al\u00e9m de dificuldades escolares.Tamb\u00e9m s\u00e3o citados aumento da ansiedade, depend\u00eancia das m\u00eddias, viol\u00eancia, cyberbullying, transtornos de sono e de alimenta\u00e7\u00e3o, e sedentarismo. Diante disso, a Comiss\u00e3o de Educa\u00e7\u00e3o avaliou que a restri\u00e7\u00e3o trar\u00e1, entre outros benef\u00edcios, mais socializa\u00e7\u00e3o e engajamento em jogos, atividades f\u00edsicas e brincadeiras.J\u00e1 para os anos finais do ensino fundamental e no ensino m\u00e9dio, o projeto de lei cita que a capacidade de autorregula\u00e7\u00e3o dos alunos \u00e9 maior, bem como o limite de tempo de tela recomendado pela SBP, que \u00e9 de duas e tr\u00eas horas por dia, dos 11 aos 18 anos de idade. Por isso, o uso ser\u00e1 direcionado pelos docentes e sistemas de ensino, a fim de evitar distra\u00e7\u00f5es dos estudantes.O texto permite, no entanto, o uso de equipamentos tecnol\u00f3gicos por alunos com defici\u00eancia, mesmo na educa\u00e7\u00e3o infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, como recursos de acessibilidade.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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