Percevejo-de-cama que se alimenta de sangue humano é encontrado pela 1ª vez no sul do Brasil, diz Unesp


Insetos, que têm entre 4 e 10 milímetros, não transmitem doenças, mas podem causar lesões, dermatites alérgicas e coceira. Registros no país se concentravam no sudeste e nordeste. Percevejos-de-cama são identificados pela Unesp de Araraquara Jader de Oliveira Percevejos-de-cama que se alimentam de sangue humano foram identificados pela primeira vez no sul do Brasil, segundo o Laboratório de Parasitologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unesp, em Araraquara, no interior de São Paulo. Até recentemente, os registros da espécie Cimex lectularius no país se concentravam nas regiões Sudeste e Nordeste. Os insetos foram encontrados pela Secretaria de Saúde do Paraná no município de Cafelândia, a cerca de 550 quilômetros de Curitiba. 📲 Participe do canal do g1 São Carlos e Araraquara no WhatsApp Quase imperceptíveis a olho nu, mas com alto potencial de infestação, os percevejos-de-cama são insetos que se abrigam em colchões, tecidos e frestas de móveis. Embora não transmitam doenças diretamente, os percevejos causam lesões na pele, dermatites alérgicas e coceira intensa. Em situações mais severas, podem provocar infecções secundárias nas áreas lesionadas. Além disso, as pessoas submetidas a infestação podem sofrer de insônia, estresse e ansiedade. LEIA TAMBÉM: Cama com percevejos-de-colchão? Saiba mais sobre o inseto e o que fazer para evitá-lo Importância da descoberta Para o pesquisador Jader de Oliveira, da FCF da Unesp, a descoberta acende um alerta importante para a saúde pública. “Além de confirmarmos, em nosso laboratório, que se tratava da espécie Cimex lectularius, constatamos que não havia nenhum registro anterior no sul do Brasil. Isso indica uma expansão territorial do inseto e revela a ausência de uma política nacional de controle e vigilância, o que permite que o percevejo se espalhe sem ser percebido”, afirmou. Diferentemente de vetores como o mosquito da dengue ou o barbeiro da doença de Chagas, o percevejo-de-cama não está inserido em programas nacionais de vigilância. “Cada estado ou município lida como pode, muitas vezes sem preparo técnico ou recursos. Isso dificulta o controle e torna o problema ainda mais negligenciado”, disse o pesquisador. A infestação por percevejos-de-cama foi encontrada em duas residências de Cafelândia, cidade que fica na região oeste do estado do Paraná, bem próximo a divisa com o Paraguai Jader de Oliveira A dispersão dos percevejos ocorre de forma ativa, quando se locomovem em busca de abrigo e alimento, e passiva, ao aderirem seus ovos a superfícies como roupas, mochilas e móveis. O relato completo da descoberta foi publicado na Revista de Patologia Tropical, sob o título Infestação de percevejos Cimex lectularius (Heteroptera: Cimicidae): Um alerta sobre o aumento de infestações e implicações para a saúde pública no Paraná, Brasil. Mais notícias da região: INVESTIGAÇÃO: Homem de 36 anos morre após passar por atendimento em UPA no interior de SP CORRUPÇÃO: Saiba quem é o vereador Dalberto Christofoletti, preso suspeito de desvio de R$ 814,9 mil em Rio Claro PERIGO: VÍDEO: mutirão encontra mais de 400 escorpiões em cemitério no interior de SP e envia ao Butantan Origem ainda incerta As hipóteses para a chegada do inseto à cidade de Cafelândia ainda são inconclusivas. A cidade é pequena, com áreas urbanas próximas a fragmentos de mata nativa, o que levanta a possibilidade de o inseto ter vindo da fauna local, já que outras espécies de percevejos são associadas a aves e morcegos. Também é possível que a infestação tenha ocorrido por transporte passivo, como bagagens ou objetos contaminados. “A ausência de registros anteriores pode estar ligada, também, à falta de pesquisadores e vigilância entomológica ativa na região. Infelizmente, essa é mais uma consequência da negligência em relação a esse tema no Brasil”, destacou Jader. No país, apenas duas espécies de percevejos têm relação estreita com o ser humano: Cimex lectularius e Cimex hemipterus. As demais habitam ambientes silvestres. Percevejo-de-cama foi identificado em casas da cidade de Cafelândia (PR) Reprodução/Facebook da Prefeitura de Cafelândia Como os percevejos agem? Com tamanho entre 4 e 10 milímetros, os percevejos-de-cama são insetos de hábitos noturnos que se escondem durante o dia em frestas de móveis e tecidos. À noite, saem do esconderijo para se alimentar de sangue humano. Embora a picada não seja dolorosa, causa coceira intensa em muitas pessoas, devido a substâncias presentes na saliva do inseto. “Eles picam em um ponto e, se a pessoa se movimenta, recuam. Mas assim que o corpo para, voltam a picar em outro lugar. Cada nova picada injeta mais saliva, o que agrava a reação alérgica”, explica Jader. No Brasil, a espécie mais encontrada nas casas é a Cimex lectularius, que possui distribuição por toda ou maior parte do mundo Paul/iNaturalist O ciclo de vida do percevejo é rápido: em cerca de 28 dias, o inseto passa do ovo à fase adulta. Após uma única refeição de sangue, uma fêmea pode colocar entre 5 e 20 ovos, o que favorece uma reprodução exponencial. Na década de 1950, com o amplo uso de inseticidas como o DDT, o Brasil quase erradicou os percevejos-de-cama. Porém, isso acabou por tornar os insetos mais resistentes, promovendo o ressurgimento de infestações nos últimos anos em diversos países, incluindo o Brasil. Atualmente o combate a este inseto exige uma abordagem integrada envolvendo o controle mecânico (aspiração e escovação), controle térmico (lavagem de roupas a 60 °C) e, quando possível, o uso de inseticidas específicos. “Nos Estados Unidos, onde o problema é recorrente, existem produtos específicos no mercado e até serviços especializados. No Brasil, ainda estamos muito atrasados nesse sentido”, contou Jader. A preocupação com a infestação por esse inseto tem levado a ações como a proposta pelo aeroporto de Frankfurt, na Alemanha, onde é possível pagar uma taxa e obter o serviço em que cães farejadores treinados detectam percevejos em bagagens. Como foi feita a identificação? Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp de Araraquara Unesp/Divulgação Reconhecido nacionalmente na área de taxonomia de percevejos e parasitas, o Laboratório de Parasitologia da FCF da Unesp foi acionado pela Secretaria de Saúde do Paraná em 2024 para confirmar a espécie de insetos recolhidos em duas residências no município de Cafelândia. As casas estavam a apenas 500 metros uma da outra. De acordo com Jader, os percevejos são muito semelhantes visualmente e não podem ser distinguidos a olho nu. É necessário realizar um procedimento conhecido como clareamento, que torna visíveis estruturas microscópicas específicas, especialmente o padrão de cerdas no corpo do inseto, essencial para classificação taxonômica. O clareamento é feito com hidróxido de potássio, que descolore o corpo do inseto e permite evidenciar detalhes anatômicos. Em seguida, os espécimes passam por lavagens em álcool com concentrações variadas e são montados em lâminas para observação ao microscópio. A manutenção de colônias vivas desses insetos no Laboratório da FCF permitiu não apenas a identificação rápida e precisa, mas também a realização de novas pesquisas. Já foi possível, por exemplo, observar uma taxa de metabolização do sangue surpreendentemente alta nos Cimex, se comparada aos vetores da doença de Chagas. “Isso pode estar relacionado à velocidade de reprodução e à capacidade de adaptação desses percevejos a ambientes urbanos. Quanto mais quente o ambiente, mais rápido é o ciclo de desenvolvimento. E diante de estresse ambiental, como a destruição de habitat, esses insetos conseguem se deslocar e buscar novas fontes de alimento. Estão cada vez mais adaptados à convivência com o ser humano”, disse o professor João Aristeu da Rosa, coordenador do laboratório que é referência na área. O professor também destacou a importância de investimentos contínuos em ciência básica: “Não se faz ciência apenas com buscas na internet. A resposta para problemas como esse está no trabalho diário de laboratório, com seriedade, metodologia e compromisso com a sociedade. Sem ciência, ficamos no escuro diante de ameaças reais”, concluiu. VEJA TAMBÉM: Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp Araraquara completa 100 anos VÍDEOS DA EPTV: Veja mais notícias da região no g1 São Carlos e Araraquara